Como será a universidade do futuro? No contexto desta crise sanitária que afetou o mundo inteiro, nós da D2L tentamos entender quais são as mudanças ocorridas no modelo de educação atual e vislumbrar como será a universidade de amanhã. Para nos ajudar nessa missão, contamos com a colaboração de alguns dos protagonistas dessas mudanças no Brasil.
A seguir, confira um trecho da conversa que tivemos com Juliano Costa, VP de Produtos Educacionais da Pearson para a América Latina, e que faz parte dos diálogos contidos no ebook Universidade do Futuro, disponível neste link.
Que análise você faz da universidade de hoje?
Definitivamente, a Universidade está em xeque. Ou melhor, o modelo universitário construído ao longo dos últimos 200 anos está em xeque. E a razão para os questionamentos a respeito do sentido e da função da Universidade hoje em relação ao futuro tem a ver com três temas fundamentais que foram, a seu tempo, os definidores da concepção de Ensino Superior no mundo: as Universidades como centros de preparação dos indivíduos para o mundo do trabalho, as Universidades como ambiente único e praticamente exclusivo da produção e da propagação do conhecimento científico e acadêmico e as Universidades como ambiente de desenvolvimento de habilidades fundamentais para praticamente todos os campos da sociedade — das Artes à Física. Porém, tudo muda, tudo flui. E o que isso implicou para as Universidades e o Ensino Superior como um todo? Ora, a fluidez do mundo líquido contemporâneo, a sua volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade fizeram com que todos os pilares em que os centros de ensino superior fossem balizados ficassem abalados.
Que impacto o desenvolvimento tecnológico teve no âmbito universitário?
O frenesi de desenvolvimento tecnológico dos últimos 20 anos teve grande impacto na ideia de que as Universidades preparam os estudantes para o mundo do trabalho pelo simples fato de que o mundo do trabalho foi completamente afetado pela tecnologia. Não apenas na questão do desenvolvimento cada vez mais veloz de hardwares e softwares, mas pela entrada avassaladora de temas de ficção científica no dia a dia da sociedade: Inteligência Artificial, Machine Learning, Data Science, Data Mining, entre outros, foram temas que deixaram o campo dos filmes e entraram no cotidiano dos jornais, das revistas populares e especialmente de programas de alta aderência social, como redes sociais, ferramentas de mensagens instantâneas, programas de streaming e serviços de alimentação. Isso demandou dos trabalhadores — em todos os níveis — inéditas e diferentes competências e habilidades que a Universidade não havia mapeado em sua formatação de preparação para o mundo do trabalho e para a empregabilidade como um todo. Letramento digital, inteligência socioemocional, cultura baseada em dados, pensamento ágil, mentalidade digital foram variadas competências que surgiram no ambiente comum de trabalho, mas não permearam todos os cursos do Ensino Superior, ficando restrito — no melhor dos casos e de forma limitada — a cursos específicos ou centros de excelência ao redor do mundo. A necessidade de reinvenção bate à porta e exige — tanto por questão de sobrevivência quanto de relevância — velocidade, sabendo ainda que o mercado de trabalho pode sofrer outra mudança rápida e a Universidade terá que responder na mesma velocidade.
Como as universidades vêm tentando se reinventar?
Criando centros de pesquisa digitais e em mídias sociais, em diferentes áreas do conhecimento; buscando atrair grupos privados ou mesmo indivíduos específicos para participar de projetos interdisciplinares; ampliando sua presença digital para sair de suas fronteiras e atingir o público em geral com cursos livres e abertos; criando soluções de oferta de conhecimento em blocos menores — microcredenciais, microcertificações, diálogos com a sociedade civil — para entrar nesse cenário de oferta aberta de conhecimento e pluralizar o consumo da sua produção acadêmica. O que percebemos como movimento do Ensino Superior no sentido de incorporação de novas competências e habilidades bem como adoção de metodologias ágeis para pesquisa e desenvolvimento é que algumas áreas do conhecimento têm tido mais sucesso em transformar seus modelos curriculares e práticas pedagógicas (comunicação, marketing, tecnologia da informação) enquanto outras áreas têm resistido de forma mais intensa a incorporar esse cenário a seus programas, por diversos motivos. A conclusão é que definitivamente o Ensino Superior precisa se reinventar num curto prazo e ofertar à sociedade uma percepção de valor que vá além do seu já reconhecido valor científico e acadêmico, tanto no campo curricular, quanto no campo da empregabilidade e do valor social que o sujeito pode trazer à sociedade após a sua passagem pela Universidade.
Que conhecimentos você acredita que a Universidade do Futuro deve ser capaz de transmitir?
Para além do conjunto de funções explícitas que as Universidades possuem e são reconhecidas socialmente — preparação para o mundo do trabalho e produção acadêmico-científica — um tema mais específico tem pressionado muito dos programas curriculares e as práticas pedagógicas do ensino superior: as competências e habilidades necessárias ao exercício das “profissões do futuro”, que já estão surgindo no mercado, mas ainda não encontram eco dentro das Universidades como linha de formação profissional e humana. Essas competências são definidas em diferentes categorias e processos: soft skills, practical skills, functional skills — diferentemente das competências cognitivas conhecidas como hard skills — fazem parte desse novo portfólio que tem surgido como necessidade curricular e formativa e também processos mais ágeis de produção do conhecimento e criação de soluções, tais como metodologias ágeis, modelos de aprendizagem ativa e colaborativa, processos estruturados de desenvolvimento criativo, velocidade, mudança de mindset, todos com nomes conhecidos e facilmente identificáveis no mercado: design thinking, scrum, XP, canvas, kanban e tantos outros criados fora da academia. A aparente dificuldade que o Ensino Superior vem percebendo é a de como incluir essas novas competências e processos nos currículos dos seus cursos tradicionais (geralmente focados em hard skills), sem comprometer a qualidade científica e acadêmica dos processos formativos, ao mesmo tempo em que dá celeridade e visibilidade à importância do equilíbrio de entregar à sociedade profissionais de diversas áreas que dominem a ciência necessária ao exercício da profissão e atividade social, junto às habilidades que promovam inovação de impacto. Um desafio enorme, dada a estrutura e organização que a Universidade tomou ao longo dos últimos dois séculos.
Juliano Costa
Licenciado em História pela UFAL, especialista em Docência para o Ensino Superior, História do Brasil e Mestre em Educação Brasileira também pela UFAL. Atuou como professor de História e Filosofia em Educação Básica e como professor de Filosofia, Sociologia, Antropologia e História no Ensino Superior. Foi Coordenador Escolar, Consultor Pedagógico e Gerente Pedagógico Nacional do Sistema COC de Ensino. Atuou na Pearson como Gerente Nacional de Consultoria Pedagógica, Diretor Pedagógico e Vice-Presidente de Educação no Brasi. Atualmente é VP de Produtos Educacionais da Pearson para a América Latina.
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